O ASSALTO
– Passa o relógio, o celular e a carteira rápido, cara, se não leva chumbo!
– ...
– Vai logo, “pai”, não tô brincando, quer morrer?!
– Eu te conheço...
– Vou contar só até três!...um...
– Você é o Marquinhos, filho da dona Joana, da Vila Prudente...
– Dois!...
– Eu sou o Thiaguinho, era seu vizinho, a gente brincava na rua, soltava pipa...
– Tô perdendo a paciência!...
– Jogava bola, pulava muro do vizinho, apertava a campaínha do seu Amadeu e saía correndo, aquele velho chato, lembra dele?...
– Dois e meio!...
– Depois vocês se mudaram, não lembro pra onde, minha mãe continuou amiga da sua, que dizia que você era um aluno exemplar, tinha passado em segundo lugar pra engenharia...que fim de carreira, heim?...
– Dois e setenta e cinco!!...
– Virar ladrãozinho de rua...o que houve? A vida que te levou ou foi opção sua?
– ...
– Se abre comigo, Marquinhos, posso te ajudar. Adivinha no que me formei, em quê trabalho?
– Marquinhos é o caramba, nunca te vi na vida! Meu nome é...acha que sou trouxa de te dizer?
– Pra cima de mim? Rá rá...Marquinhos da dona Joana, cuspido e escarrado!
– Cara, você está brincando com fogo!...
– Sou psicólogo forense, concursado e tudo. Lido diariamente com pessoas como você. Me conta como chegou nesse fundo de poço.
– Te dou mais dez segundos, senão...
– Tem um caso clássico no fórum, parecido com o seu, o do Paulinho Furtado. Quer ouvir essa? Paulinho era um cara de classe média para alta, mas se envolveu com companhias erradas, drogas e tal...você usa droga? Enfim, abandonou o curso de ciências atuariais, a família e a noiva e foi morar na rua, vivia de pequenos roubos e furtos para sustentar o vício...
– Eh...
– Foi preso e condenado, e na prisão conheceu um voluntário e ex-detento chamado Miguel, que dedicava seu tempo a ajudar outros presos a se recuperarem e a encontrar um caminho melhor. Miguel viu algo em Paulinho, uma centelha de arrependimento e desejo de mudança, e decidiu ajudá-lo. Começou a visitar Paulinho regularmente na prisão, conversando com ele sobre suas experiências passadas e as consequências de suas ações. Ele compartilhou histórias de como a vida poderia ser diferente, se Paulinho escolhesse o caminho da honestidade e da reabilitação. Miguel também ajudou Paulinho a acessar programas de educação na prisão e incentivou ele a desenvolver habilidades que o preparariam para uma vida melhor após sua libertação...
– ...E o que aconteceu depois?
– Ah, Marquinhos, você nem imagina. Quando Paulinho finalmente foi libertado, ele tinha uma escolha a fazer: ou ele voltava ao seu antigo estilo de vida criminoso, ou seguia o exemplo de Miguel...adivinha qual ele escolheu?
– O do Miguel?
– Bingo! Ele se matriculou em aulas de educação continuada, trabalhou duro em empregos de meio período, e começou a frequentar grupos de apoio para ex-detentos. Com o tempo, Paulinho conseguiu encontrar um emprego estável e, logo depois, abriu seu próprio negócio, uma bicicletaria, que prosperou tanto que virou rede, a Paulo´s Bike.
– Péra aí...a Paulo´s Bike é desse Paulinho?
– Surpreendente, não? Veja a reviravolta que houve na vida desse cara. Ele era assim como você, de origem parecida que se perdeu no mundo, foi preso, reabilitou-se e hoje é um homem de negócio.
– Tem outras histórias semelhantes pra contar?
– Claro, muitas outras, Marquinhos. Meu trabalho é uma fonte inesgotável delas, e que podem te estimular a sair dessa.
– Meu nome é Leonardo, me chamam de Léo, sou da Vila Andrade, nunca nem sequer passei pela Vila Prudente...
– Está certo, Léo. Prazer, Thiago Mattos, o Thiaguinho. Que tal um café ali na padaria para te contar mais histórias reabilitadoras?
– Excelente,
Thiaguinho!
– Mas estou liso...quanto você tem aí?
– Hoje foi fraco, só cinquenta reais...
– Está
mais do que suficiente, vamos lá. Na próxima eu pago.
Lui França, 2023.
Comentários
Postar um comentário