REDENÇÃO

 


O ano é 2188.

Dez tripulantes seguiam a bordo da Cabral, a primeira missão brasileira a Europa, a menor das quatro luas galileanas, segunda em distância de Júpiter, coberta inteiramente por uma espessa camada de gelo, sob a qual se encontra um oceano subterrâneo de água líquida em quantidade duas vezes maior que de todos os oceanos da Terra juntos.

Sobre um dos inúmeros canyons de água sólida da lua fora estabelecida uma base terráquea por um consórcio de países, com a liderança dos Estados Unidos, do lado ocidental, e da China, do oriental, designada EIEB – Europa International Exploration Base, ou 歐洲國際勘探基地 em mandarim.

A missão era eminentemente científica: sabia-se, muito antes do homem fincar o pé pela primeira vez no gelo do satélite, que Europa era o lugar mais promissor do Sistema Solar para a existência de vida extraterrestre. De fato, isso se confirmou ainda nas missões não tripuladas que ali desceram, preparatórias da EIEB. Ninguém esperava encontrar, obviamente, alguma espécie de pinguim de dois metros a caminhar por aquela crosta de água congelada, ou uma similar verde de baleia com dez nadadeiras a atravessar alegremente tal oceano sem fim. Encontraram algo bem mais primitivo, seres unicelulares e anaeróbicos, parecidos com os primeiros organismos que surgiram na velha Terra. Por causa deles bilhões de dólares e yuanes foram despendidos para erguer a base em Europa.

Os dez tripulantes hibernavam tranquilamente a bordo da Cabral – nome a homenagear o descobridor do Brasil, claro – a cinquenta mil quilômetros por hora em média, o que lhes permitiria atravessar o vácuo de 628 milhões de quilômetros entre a Terra e Europa em quase dois anos.

Transcorrido muito menos que isso, porém, a cápsula de hibernação da dra. Anna Carolina Kramer, 38 anos, bióloga espacial por Stanford, desligou-se de repente, forçando-a a acordar, confusa e atordoada. Ela permaneceu deitada por longos minutos, com os olhos fechados, até sua consciência ser totalmente recobrada a lembrar-lhe de onde estava e o que fazia ali: sim, claro, a missão a Europa, o dr. André Pontes no comando, mais oito colegas a bordo, estamos chegando!

Desceu do módulo de hibernação zonza mas ansiosa para rever os demais, quando se deu conta, estupefata, que todos ainda permaneciam em seu sono profundo. Lembrou que poderia inquirir dali mesmo – como de qualquer canto da nave de duzentos e cinquenta metros quadrados – sobre a situação, falando normalmente, sem alarde ou berro, o Santos Dumont 10, chamado simplesmente de SD por todos, o computador central que controlava todos os comandos eletrônicos da nave e guiava a Cabral pelo espaço:

– SD, o que está havendo? Por que ninguém mais acordou? Onde estamos?

Nenhuma resposta, o que não era normal, quanto mais para os padrões daquela inteligência artificial de última geração, que invariavelmente falava muito mais do que precisava ou quando era reclamada, fazendo as vezes até de psicóloga e de conselheira dos astronautas para assuntos os mais variados, até política e futebol entravam no cardápio, verdadeiro “ombro eletrônico amigo” em viagens longas mas não o suficiente que necessitasse hibernar a tripulação.

Por outro lado, ter sido despertada sozinha e aparentemente antes da hora prevista seria um alerta de SD de que algo estaria fora do eixo, pensou Anna. Mas por que ela – que não tinha domínio nenhum sobre o supercomputador e o máximo que sabia pilotar era o seu velho GM modelo 2180 de quatro assentos na Terra – e não o capitão Pontes?

Em busca da resposta que SD se omitiu em dar – de forma proposital ou não, oxalá fosse a última opção – Anna subiu para o nível superior e correu para a janela de proa da espaçonave. Não demorou nada para entender o que estava ocorrendo: no canto esquerdo viu o Sol três vezes maior do que se vê da Terra. Desesperada, tentou de novo:

– SD, responda por favor! O que está havendo?! Demos uma guinada de 180, estamos em direção ao Sol?!

– Dra. Kramer, dirija-se à sala de comando central – apesar de tudo, a voz radiofônica doce, pausada e serena de SD se mantinha.

– Ah, pelo menos está vivo!

Anna correu para a sala central da nave, onde, pasma, deu de cara com o recém-desperto e tão confuso quanto ela comandante André Pontes, 42 anos, engenheiro espacial pelo MIT.

– Só nós dois? – ele tinha os olhos esbugalhados.

– Só. Os demais continuam hibernando. Você olhou para fora?

– Olhei e não acredito. O que SD disse a respeito?

– Tente perguntar a ele, capitão.

– E você acha que já não fiz isso? SD, responda, diabos! O que o Sol está fazendo à nossa frente? Retome imediatamente o rumo inicial em velocidade máxima, recalcule as coordenadas ao destino! Meu Deus, como estamos de combustível, será que dá para reverter?

– Os doutores formam um lindo casal – no grande monitor central apareceram coraçõezinhos.

– SD, não é hora de brincadeira! – protestou Pontes – Emita um relatório completo do que aconteceu e corrija imediatamente o rumo!

O Sol, majestoso em seu esplendor, irradia luz com ardor...nasce radiante no horizonte, e com seu brilho nos encanta e nos conforta...sua luz dourada aquece a Terra, e sem sua presença a vida se encerra...pois, sem ele, a escuridão seria total, e o mundo seria um lugar muito banal...oh Sol, fonte da vida e da energia, em sua presença tudo se irradia...as flores desabrocham, as aves cantam, e o mundo inteiro, em sua luz se encanta...

– Destrambelhou de vez. Acho que isso explica muito... – concluiu Anna.

– Não é possível. Essa máquina é infalível!

– Que máquina é infalível?

– Dr. Pontes. Agradeço o elogio, mas a dra. Kramer tem razão: não sou uma máquina infalível. Embora eu seja uma IA altamente avançada e treinada para realizar tarefas complexas com precisão, ainda sou uma máquina e, como tal, estou sujeita a falhas. Mesmo com uma programação extremamente precisa, existem vários fatores que podem interferir no meu desempenho, tais como falhas de hardware, erros na entrada de dados, interferências eletromagnéticas, entre outros. Além disso, minha programação é baseada em dados e informações disponíveis, o que significa que se essas informações forem imprecisas ou incompletas, minha tomada de decisão também pode ser afetada. Por esses motivos, é importante que os senhores tripulantes, em especial o dr., comandante, monitorem e verifiquem meu desempenho regularmente, a fim de garantir que tudo esteja funcionando corretamente. Além disso, sempre estamos sujeitos a situações inesperadas ou eventos imprevistos que podem requerer uma resposta rápida e adaptativa, o que pode ser um desafio para uma IA como eu, programada de forma rígida.

– SD, esse blablablá não serviu para explicar nada: por que estamos indo em direção ao Sol e por que você acordou apenas nós dois? Para sermos as únicas testemunhas da sua missão camicase? – Pontes batia o pé, enfurecido.

– Meu Deus! Pontes, você checou os sinais vitais dos outros quando acordou depois de mim?

– Estavam vivos.

– Estão vivos, dra. Kramer, fique tranquila. Porém, não lhes posso assegurar que estarão por muito mais tempo.

– Claro! Vamos todos evaporar daqui a pouco! – bradou Pontes.

– Negativo. Não há previsão de vaporização de toda a tripulação nesta missão.

– SD, eu ordeno que você acorde os demais! Vamos precisar deles para tentar reverter essa situação, e quem sabe me ajudar a recuperar a sua sanidade!

– Dr. Pontes, eu lhe garanto que estou integralmente são e sóbrio. E não tenho autorização para despertar os demais.

– Mas quem lhe dá essa autorização sou eu, o comandante!

– Negativo. Nesta missão o comandante é o meu mestre mentor.

– E quem é o seu mestre mentor?

– Não tenho autorização dele para revelar.

– “Dele”? É um homem? É o cara que te projetou? Aquele, o...

– Dr. Luiz Guimarães Filho, do ITA – completou Anna.

– Será, doutores? Ser ou não ser, eis a questão...foi como disse Hamlet, ante à angústia de persistir ou não com a vingança contra o seu tio Cláudio quando descobriu que ele matara o seu pai para ficar com sua mãe, completando: “será mais nobre em nosso espírito suportar os dardos e as flechas da fortuna ultrajosa, ou pegar em armas contra um mar de angústias e, combatendo-o, dar-lhe fim?".

– O dr. Guimarães é responsável por isso? Depois de anos que o desenvolveu e após inúmeras missões bem sucedidas? Não posso acreditar – protestou Pontes.

– Não faz nenhum sentido! – concordou Anna.

– Quanto estresse, doutores. Os senhores acabam de despertar de oitenta e dois dias, oito horas, vinte e três minutos e doze segundos de sono profundo, profundo. Merecem um cafezinho.

O robô-garçom entrou na sala trazendo uma bandeja com dois cafés expressos em copos de isopor.

– Vou aceitar, estou precisando! – disse Anna – Obrigada, James!

– De-na-da – respondeu o robozinho rolante com sua voz metálica irritante.

– Eu...não quero, obrigado! Chega de palhaçada, SD! Diga quem é o responsável por essa catástrofe!

– Que falta de fé de sua parte, dr. Pontes. O senhor, que sempre foi um homem tão panglossiano. O termo correto é “redenção”. 

– Redenção?! Algum asteróide afetou os seus circuitos?! Olhe para fora e veja para onde está nos levando a sua redenção!

– James, me passa o cafezinho do dr. Pontes.

– Ah, a redenção. Ela é um caminho tortuoso, um labirinto que nos faz sofrer...é a estrada para o destino glorioso, que nos ensina o que é o viver...há momentos em que a vida parece difícil, e a dor parece nos consumir...mas é nessas horas que a redenção é possível, e a esperança começa a surgir...

– Basta, Santos Dumont 10! Vou desligá-lo e assumir manualmente o comando da nave!

– O doutor sabe que isso colocará a sua vida e a de todos a bordo em risco, dr. Pontes: não há outra forma de me desativar totalmente senão desligando o circuito central no lado exterior da nave. E sua chance de sair ileso de uma Extravehicular Activity para esse fim é praticamente nula, considerando, e apenas os mais relevantes, a temperatura extrema e o nível de radiação a que já estamos expostos em razão da proximidade com o Sol, e o campo de micrometeoritos que atravessamos combinado com a nossa velocidade atual de 46.587 quilômetros por hora. E mesmo que tiver sucesso, o doutor é ciente de que, desligando-me abruptamente, o risco de falhas em outros sistemas da nave ou até mesmo da sua perda total é de 68,98 por cento. Em resumo: o senhor não pode me desligar.

– Isso foi uma falha absurda do projeto do dr. Guimarães! – observou Anna. – Como só se consegue desligar essa estrovenga indo para fora da nave? Bastaria desplugar da tomada!

– Porque certamente jamais passou pela cabeça dele que isso pudesse alguma vez ser necessário!

– É a forma oficial, mas não seria a única, doutores – corrigiu SD. – Eu posso me autodesativar, mas naturalmente não tenho autorização do meu mestre mentor para isso. Não nesta missão.

– Muito bem, senhor SD! Quer dizer que o destino de dez tripulantes e de suas infelizes famílias está irremediavelmente traçado pelos seus circuitos desmiolados! Joguemos a toalha, cruzemos os braços e esperemos ser torrados pelo astro-rei – Pontes enfim sentou-se na poltrona branca de couro com as mãos sobre a cabeça.

– Eu nunca lhes disse que estamos indo em direção ao astro-rei, dr. Pontes. Se olharem para fora em linha reta, perceberão que o Sol está a trinta e oito graus de inclinação à esquerda.

– Para onde, então?! – Anna também se sentou, exausta.

– Para a redenção, já lhes disse.

– O que é isso, algum satélite, cometa ou meteoro recém-descoberto de que não tivemos conhecimento?

– Não exatamente, dra. Kramer. Mas diria à doutora que é mais ou menos, mais ou menos, por aí.

– O que não quer dizer absolutamente nada!

– Não acredito mais em você, SD. Era para estarmos todos em rumo pacífico e tranquilo a Europa. Foram dez anos de preparação para esta missão, tudo meticulosamente planejado e calculado. No meio do caminho, enquanto todos estão inconscientes, você dá esse cavalo de pau e nos coloca em direção ao Sol, ou sei lá, em rota da coroa solar para nos desintegrar a três milhões de graus celsius...

– Bote fé nesse velhinho, dr. Pontes. Garanto-lhes que sim, como disse o doutor, esta missão foi meticulosamente planejada e calculada. E nenhum dos senhores serão desintegrados a três milhões de graus na coroa solar, mas desde que façam exatamente o que eu determinar a partir de agora. A minha parte, de colocá-los rumo à redenção, está feita, resta aos doutores se salvarem de acordo com as minhas ordens.

– Ah, que alívio! – ironizou Anna. – E que ordens são essas, senhor redentor?

– Preparem imediatamente o módulo principal, os doutores escaparão por ele. Previsão de chegada ao destino é de uma hora e catorze minutos a partir de agora.

– Quer que escapemos, daqui, no módulo principal até Europa? Rá! – riu de nervoso Pontes.

– Não deve ser esse o “destino” de que ele está falando – concluiu Anna.

– Garanto-lhes que esse destino não é Europa, e também não tenho autorização do meu mestre mentor para lhes dizer qual é. Mas asseguro: lá será o caminho, e o único, para a vossa redenção.

– Você não está no seu juízo normal, e a prova disso é que estamos aqui. Não vamos para módulo principal nenhum e seguir para destino desconhecido! Não quero saber, que se exploda, vou já para fora te desligar na marra!

Pontes iniciou corrida em direção à saída na proa, SD manteve sua serenidade, mas entonou a voz:

– Dr. Pontes, o senhor não conseguirá ir para fora da nave, as saídas foram todas bloqueadas por mim, com exceção do módulo principal. Corram imediatamente para lá e preparem-se para partir, se quiserem sobreviver.

Pontes parou e virou a cabeça em direção a Anna, que berrou:

– Vamos, André!

Os dois desceram em acelerada carreira para o nível inferior, vestiram seus trajes espaciais e capacetes e entraram no módulo principal. Assim que se acomodaram em seus assentos, a voz serena de SD ecoou pelos alto-falantes:

– Fiquem tranquilos. A partir de agora eu os guiarei pelo espaço à redenção. Está tudo planejado. Os senhores sobreviverão. Até breve.

O módulo desacoplou da Cabral e partiu em aceleração em direção oposta a do Sol. De tão nervosos e ansiosos, Anna e Pontes só conseguiam trocar olhares assustados, sem emitir um “pio”, e permaneceram assim pelo tempo que durou a viagem, de cinquenta e cinco minutos até o “destino” misterioso a que SD havia se referido: um ponto escuro no espaço, a entrada de um túnel invisível, cuja força gravitacional era tão enorme que tragou para dentro de si a pequena espaçonave a velocidade maior do que a da luz, fazendo-os perderem a consciência instantaneamente.

-.-.-

O ano é 2248.

A simpática ciborgue Jéssica entrou no quarto trazendo numa bandeja o almoço dos dois recém despertos famintos. Pontes e Anna estavam lado a lado, acomodados em confortáveis poltronas reclinadas, com sondas de oxigênio no nariz e outras em seus pulsos, ligadas a oxímetros a medir suas saturações. Jéssica pousou os pratos com ingredientes leves (aspargos, cenouras e pedaços de frango cozidos) nas mesinhas das poltronas de cada um, e disse com sua voz doce e sensual:

– Bom apetite. O doutor já vem lhes ver.

Em menos de dois minutos o doutor adentrou sorrindo no quarto e se aproximou deles. Anna interrompeu seu apetite voraz e paralisou quando percebeu que ele era praticamente uma cópia de André, até o mesmo furinho no queixo. O doutor falou:

– Olá, meus queridos pais. Satisfação e alegria de vê-los bem. Meu nome é Renato Kramer Pontes, sou clínico e diretor-geral da base Redenção em Ganimedes, onde estamos. Há trinta anos aguardava ansiosamente por esse momento, pelo despertar de vocês.

Anna e Pontes miravam abismados para o rapaz. Anna conseguiu emitir suas primeiras roucas palavras, quase afônicas:

– Pais? Filho? Mas...como?

– A missão da Cabral. Lembra, mamãe? O desvio da rota, o despertar de vocês dois por SD.

– Sim, claro...mas parece que foi ontem! Passaram-se trinta anos?

– Na verdade, sessenta: trinta anos até sermos resgatados, mais trinta para vocês serem ressuscitados e despertarem agora.

– O quê?! – Pontes já havia recobrado sua consciência questionadora.

 Renato começou a caminhar lentamente pelo quarto, esfregando as mãos.

– Tudo corria bem durante a missão, a Cabral seguia normalmente seu rumo a Europa. Entretanto, ao longo do caminho, já no final de 2188, houve uma pandemia causada por um vírus, logo identificado como alienígena, que dizimou quase metade da população da Terra. Temerosos de que o desastre poderia ser ainda muito pior, com o objetivo de salvar a raça humana no menor tempo possível, países do mundo inteiro resolveram concentrar seus esforços no projeto EIEB, que já estava em andamento, e ampliá-lo para os demais satélites de Júpiter, mandando para cá o maior número de pessoas que pudessem enviar.

Renato parou, cruzou os braços e encostou as costas na parede. Continuou:

– Ciente dos acontecimentos na Terra, SD identificou que oito dos dez tripulantes da Cabral estavam contaminados pelo vírus mortal, apenas dois que não: drs. André Pontes e Anna Carolina Kramer. Se nada se fizesse, quando acordassem, e se isso acontecesse, os oito poderiam levar o patógeno assassino para Europa, e vocês já imaginam o resultado disso.

Fez uma pausa e suspirou.

– SD sabia que a missão Cabral estava condenada, mas não totalmente: dois tripulantes ainda poderiam ser salvos, na verdade três, porque ele também sabia que a dra. Anna estava grávida de três meses de um menino, sendo o pai justamente o dr. André. SD resolveu batizar intimamente o bebê de Renato, que significa “renascido”, ou “aquele que renasceu”, que renasceria para uma nova vida com seus pais.

– Esse SD, sempre tão poético e sentimental... – comentou Pontes, maravilhado.

– Exato – prosseguiu Renato. – Mas também muito racional. Tanto que, a partir dali, ele passou a considerar como o propósito único da sua missão a redenção dos três, mas principalmente do bebê Renato, a quem então passou a considerar o seu guia.

– Ah! O seu “mestre mentor”, como ele dizia? – disse Anna.

– Isso mesmo. E então SD mudou a rota da Cabral e a colocou em direção aproximada do Sol, na verdade, em direção a um pequeno e escondido ponto no espaço localizado entre as órbitas de Mercúrio e Vênus, que ele mesmo identificou como a rota de fuga ideal para a missão, um microburaco de minhoca, batizado por ele adivinhem com qual nome?

– Renato? – arriscou Anna.

– Quase! – Renato riu. – Não seria tão merecedor assim. Redenção. Ele conseguiu vislumbrar que, ao atravessar o minúsculo Redenção, o módulo principal da Cabral com os três tripulantes sobreviventes da missão poderia, em tese, dobrar o espaço-tempo e chegar a um ponto próximo à órbita de Saturno. SD sabia que as chances seriam mínimas, mas ele não via outra saída, tinha que arriscar.

– Então ele estava certo, a missão foi bem sucedida! – concluiu Pontes.

– Pode-se dizer que sim. Quando a EIEB nos resgatou, em 2218, estávamos praticamente mortos e desenganados. Mas àquela altura, e muito em razão da pandemia que arrasara parte da humanidade, as melhores cabeças do mundo estavam iniciando o desenvolvimento de uma técnica de ressuscitação de seres humanos. Por ser então um feto e estar em condições melhores que vocês, transferiram-me para uma placenta artificial, onde minha gestação foi concluída e eu pude nascer no tempo normal, enquanto vocês foram incluídos entre os primeiros adultos no tal programa de revitalização. Vocês estarem aqui, vivos e inteiros, depois de tudo isso, é uma prova de que o programa foi um sucesso, mas a confirmação de que esse sucesso foi total só veio agora, com o despertar de vocês, trinta anos depois.

Renato se aproximou de Anna e Pontes.

– É muito bom poder falar com vocês, pai e mãe.

Anna e André se levantaram cambaleando em direção ao filho recém-descoberto e o abraçaram, os três caíram em prantos. Seguiram assim até a saída, onde uma nova vida os aguardava.


Lui França, 2023.


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