NICOTINA



– Tá vendo esse cigarro aqui? É o último da minha vida.
– Tá bom, até o próximo...
– Não, dessa vez é sério! Não aguento mais a pressão da Martinha. Outro dia foi o tio dela que caiu duro. Fumava como uma chaminé.
– Com quantos anos?
– Noventa e tralalá.
– Pronto, taí a prova de que não dá nada! 
– O cacete, o homem tinha um baita tumor no pulmão!
– Conheço gente que morreu com essa idade, ou mais, e nem tossia...aliás, eu não tusso.
– Você não está muito longe disso.
– Tá tirando? Eu nem cheguei nos cinquenta!
– Digo, de começar a tossir. Desse jeito aí...você fuma muito mais do que eu!
– Tenho um pigarrinho ou outro e olhe lá. E outra, eu só fumo light.
– Só se for de uns tempos pra cá. Eu comecei por causa de você, e lembro muito bem que era só aquele estufa-peito. Aliás, você me ofereceu um, e ferrou...
– Isso já faz muito tempo, eu não tinha nem vinte. Tô no light há uns trinta anos.
– Sua mulher não reclama?
– Qual delas?
– A oficial?
– Meu filho, essa daí já entregou pra Deus há muito tempo.
– E as outras?
– Não tenho nenhuma atualmente. A última era muito pior do que eu.
– Não foi aquela que morreu de ataque cardíaco?
– A própria. Tinha 42. Mas daí a dizer que foi por causa de cigarro...Ela era advogada criminalista, vivia em porta de cadeia, imagine só que vida!...Mas ela teve uns três ou quatro parentes que tiveram também, acho que até o pai dela, caiu nos seus braços, um troço assim. Isso é de família.
– De família o escambau, devia ser tudo bom de trago.
– Olha, nunca vamos ter certeza, não é? Com uma vida estressante dessa, nem precisa de cigarro pra cair duro.
– Você não tem medo nem de chegar aos cinquenta?  Deixar seus pais sozinhos, velhinhos?
– Pô, você mal parou de fumar e já tá patrulhando? Vá se lascar!
– É o que eu escuto da Martinha todos os dias!
– Azar o seu. Ainda bem que desse mal eu não sofro.
– Até pensei em mudar pra cachimbo, que dizem que não traga.
– Isso é igual chupar bala com papel. Qual é a graça?
– Pelo menos não faz tão mal.
– Ah, e você acha que não inala aquela fumaça, que ela é “inocente”? Não assiste TV, não lê jornal?
– Justamente. Um não fumante inalando monóxido de carbono na Paulista por duas horas equivale a fumar meio maço, um negócio assim.
– Pois! É por isso que eu não paro. Se não fumar faz tão mal quanto fumar, prefiro a última opção, pelo menos sou mais feliz.
– E é por isso que eu parei. Posso ser mais infeliz, mas vou viver mais.
– Mas você ainda faz sexo. Eu não tenho outro prazer.
– Eu, o quê?...Bom, e outra, li por aí que cigarro hoje em dia é pura química, não tem nada de tabaco.
– Você descobriu a América...
– Isso também me ajudou na decisão. Você sabe a quantidade de compostos químicos que tem num simples cigarrinho?
– Só recém-nascido é que não sabe disso...
– Quase cinco mil!
– E?...
– Bastaria unzinho só pra te ferrar!
– Ai que medo...
– É nicotina, é chumbo, é arsênico, e mais quatro mil novecentos e noventa e sete...
– Você disse “quase” cinco mil...
– Arsênico provoca uma porrada de coisas, sabia? Lesão na pele, diabetes, no cérebro, câncer de pulmão...
– Oh...
– Tô fora! Tenho mulher e filhos pra cuidar, ainda tenho muito pela frente.
– Você não é muito mais novo do que eu.
– Quatro anos. Mas, parando agora, relativamente jovem, ainda consigo alcançar o tio da Martinha.
– Consegue alcançar o câncer de pulmão que ele teve, é isso?
– Não, os noventa e tralalá.
– Se é para morrer de câncer de pulmão, que diferença faz se é aos cinquenta ou aos noventa e tralalá? Dá na mesma!
– Você sabia que para cada cigarro fumado você perde onze minutos da sua vida?
– Faça as contas aí então de quanto você fumou e quanto perderá.
– Vamos ver...tô com quarenta e quatro, comecei por sua causa com uns quinze, vamos arredondar para catorze para facilitar...um maço tem vinte cigarros...
– Eu estava brincando...
– ...fumei em média um maço por dia, durante trinta anos, portanto...
– Já passou tudo isso?
– Vinte vezes trezentos e sessenta e cinco dá uns sete mil e trezentos por ano...
– Você sempre foi bom de matemática, ao contrário de mim.
– Caraca! Trinta vezes sete mil e trezentos dá...o que?
– Sei lá, me tira dessa...
– Acho que uns duzentos e vinte mil, por aí!
– Não sei como você ainda tá vivo. Agora, transforme em minutos perdidos.
– Duzentos e vinte mil vezes onze...dois milhões e quatrocentos mil minutos??
– Falta botar em horas, dias, anos...
– Eu sei que um dia são 1440 minutos...2.400.000 dividido por 1440...uns 1700 dias, o que vai dar...uns 4, 5 anos perdidos??
– Convenhamos, isso não é nada, né? O tio da Martinha teria morrido com cem e tralalá...
– É mesmo...supondo que ele tenha fumado mais ou menos a mesma coisa.
– Com aquela idade? Duvido! Deve ter fumado pelo menos o dobro, uns sessenta anos.
– Ou seja, ele teria perdido só dez anos de vida?
– Só.
– Me dá um cigarro aí...

Lui França
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