A MULHER DA PRÓXIMA

 


– Cara?
– Hã.
– Na Bíblia não tem um negócio que não pode desejar a mulher do próximo?
– Acho que o termo é “cobiçar”. Sim, é um mandamento.
– “Próximo” quer dizer indivíduo do sexo masculino?
– Provavelmente. Era uma sociedade machista, Deus entrou na onda. Não tinha esses mil gêneros de agora. Por quê?
– A Matilda, minha vizinha, tem uma mulher nova.
– E você está desejando ela?
– Não! Quer dizer, sei lá. Vivo cruzando com ela em tudo que é lugar, no hall do elevador, no próprio, na entrada e saída do prédio, no supermercado, na padaria...outro dia até no pet shop, e nem sei que bicho elas têm. Sempre toda simpática e sem a Matilda. Não é muita coincidência?
– Pode ser que sim, você não é nenhum Brad Pitt. Vai ver que ela é assim com todo mundo.
– Sei não. Ela é sorridente demaaais pra mim. E às vezes acho que me dá umas piscadinhas, embora me pareça que ela tem um olho um pouco mais fechado que o outro.
– O que pisca é o fechado ou o outro?
– Não reparei nesse ponto, fico meio acanhado.
– Vai ver que é tique. Meu último advogado era assim, mas só piscava quando eu o chamava para reduzir os honorários.
– Supondo que ela esteja mesmo me dando bola, o “próximo” da Bíblia seja genérico e eu caia em tentação. Qual é a pena para esse pecado? É venial?
– O quê?? Você acha que o não cumprimento de um dos mandamentos que foram escritos de próprio punho por Deus nas tábuas, e revelado por Moisés, vai dar em quê? Prestação de serviços à comunidade?
– Quer dizer que se fosse com você, não arriscaria?
– Não disse que não, e sou ateu. Dependeria muito de como é a mulher. Mas já sabendo que ela é caolha, provavelmente não me interessaria.
– Não disse que ela é caolha! Mas qual é a pena então?
– De você se enrolar com a mulher da Matilda? Nem passaria pelo purgatório, e se ela for feia, como parece, com a agravante de passar metade da eternidade queimando na brasa como peru, e a outra metade sendo o próprio peru.
– Supondo então que o termo se refira apenas a indivíduos do sexo masculino, já que você disse que era uma sociedade machista...aí pelo menos eu posso ter a esperança de não ir para o inferno, né?
– Acho que tudo vai depender de a tal Matilda aceitar ou não a relação de vocês. Tá cheio de casal liberal hoje em dia, vai que ela topa. Deus acho que não seria impiedoso nesse caso. Vejo coisas que até Deus duvida! Se Ele fosse escrever hoje os mandamentos, seriam só nove...ou oito, ou sete...mas esse estaria fora, com certeza!
– Jamais tive intimidade com a Matilda para saber se ela toparia ou não. Aliás, ela é o oposto da mulher nova. Vejo de vez em nunca, e nossa relação se resume a um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. E não é muito sorridente nem costuma piscar para mim.
– Pelo menos os olhos são simétricos? Olha, nesse caso, eu acho então que você deveria se aproximar mais da Matilda, conhecer melhor a relação dela com a mulher nova, e então preparar o anzol pra fisgar o peixe! E se nem casadas elas forem? E se for uma prima distante, uma sobrinha? De repente você está com medo dos quintos à toa!
– É, pode ser uma boa ideia...preparar o terreno para dar o bote!
– Isso!...Mas, sem prejuízo, a gente já pode especular qual é o tipo de relação entre elas, o que pode facilitar a sua, vamos dizer, introdução na vida delas...por exemplo, quando você as viu, elas pareciam íntimas? Tipo, de mãos dadas, e tal?
– ...Sinceramente? Não me lembro de tê-las visto juntas ainda!
– Hum...juntando essa informação e mais o fato ter dito que sempre se encontra com a mulher nova, que ela nunca está com a Matilda e fica te dando piscadas zarolhas, pode ser um bom indicativo de que a relação delas não estaria lá essas coisas...
– Aliás, pensando bem, e o meu apê é colado ao delas, eu acho que sequer tenha ouvido elas conversarem, quanto menos discutirem. É um silêncio...
– Vixi! Então é pior do que eu pensava...cê tá no papo, cara, vá em frente, esquece aproximação com Matilda! Nem precisa!
– Você acha mesmo?
– Claro! Que raio de relação é essa, seja de que nível conjugal ou parental for, que duas pessoas que vivem sob o mesmo teto nunca sequer se dão “bom dia” ou “boa noite”?? Tá na cara que elas não se suportam mais, e por isso a mulher nova está desesperada dando em cima de você! Chegou na área, cruzou contigo, e é gol!!
– Mas será que é tão fácil assim?...Voltamos ao início da nossa prosa..pouco importa se elas se odeiam, se estão casadas de papel passado e tudo e eu me enroscar com a mulher nova, vou ser peru queimando no inferno!
– Bom, eu não pensaria duas vezes. Até porque, como disse, não acredito em Deus, Céu ou Inferno. Acredito em leão do imposto de renda e no boleto da conta de gás que venceu ontem e eu não paguei.
– Acho que vou mesmo na primeira opção, tentar entender melhor a relação delas via aproximação com Matilda.
– Na falta de relação delas, você quer dizer, não é?
– Pensando aqui com os meus botões...na verdade, não é que eu nunca as tenha visto juntas...depois que a mulher nova apareceu, eu nunca mais vi a Matilda!...
– Então, meu caro, como você pode afirmar que ela é a mulher nova da Matilda?
– Realmente não posso afirmar...
– E mesmo assim ainda teme o belzebu te espetando no caldeirão das trevas?
– Cara..que o chifrudo vá para o inferno!

Lui França
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